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Artigo: A principal ferramenta de transição agroecológica para a produção orgânica de carne, leite ou lã
28/12/2020

Atualmente existe um senso comum de que os produtos orgânicos tem um valor maior de mercado porque tem um custo maior de produção, porque tem menor produtividade, porque não exploram o máximo rendimento animal ou porque requerem maior mão-de-obra em relação aos sistemas habituais de produção. Em alguns casos existe um fundo de razão. No caso da pecuária orgânica, as espécies que dependem de um maior percentual de grãos na dieta, como aves e suínos, o custo acaba se elevando pela dificuldade de fornecimento principalmente de milho e soja certificados, mas para os principais herbívoros de produção, como bovinos e ovinos, existe um método de manejo que contraria esse senso comum, capaz de produzir mais que a média dos vizinhos “convencionais”, com menor custo de produção, respeitando o bem estar animal e com baixo requerimento de mão-de-obra (bem-estar humano). Esse sistema leva o nome de seu idealizador, André Voisin (1903-1964).

 

O Pastoreio Voisin é a alternativa mais simples, econômica, rentável e sustentável, pois está baseada na otimização do uso de pastagens permanentes, colhidas pela vaca em seu ponto ótimo de crescimento. O sistema de manejo de pastagens desenvolvido por André Voisin foi por ele denominado de Pastoreio Racional, sendo que seus discípulos em homenagem póstuma passaram a chamá-lo de Pastoreio Racional Voisin (PRV). Por questões semânticas, alguns autores, com os quais divido o mesmo argumento, denominam o sistema apenas de Pastoreio Voisin, por entendermos que o sistema Voisin, é por sua natureza um sistema racional, não cabendo redundância ou pleonasmo.

 

O sistema racional tem como base primordial, o fornecimento de pasto, colhido pelo animal, na proporção mínima de 12% do peso corporal de matéria verde ao dia. A suplementação com concentrados e/ou forragens conservadas é feita somente de forma complementar, tornando o custo de produção de leite, carne ou lã em Pastoreio Voisin (PV) inferior aos sistemas convencionais. Mais do que isso, Lorenzon (2004) descobriu que, quanto maior o índice de adoção dos princípios do Pastoreio Voisin, melhor o resultado técnico e econômico, e maior o grau de satisfação do produtor.

 

O agora saudoso Luiz Carlos Pinheiro Machado (1928-2020), em seu livro Pastoreio Racional Voisin-Tecnologia Agroecológica para o 3° Milênio, descreve o sistema como a melhor alternativa de produção bovina sustentável que se conhece. Baseado nos preceitos de Voisin, outros métodos foram adaptados e estão ganhando espaço, como a Pecuária Regenerativa, Manejo Holístico, Pastoreio de Ultra Alta Densidade, etc. Todos seguem a metodologia estudada, planificada, testada e comprovada por Voisin em sua granja na França.

 

Como relata meu grande mentor e amigo Humberto Sorio no seu livro Pastoreio Voisin- Teorias, Prática e vivências, André Voisin em sua essência, buscou reproduzir o hábito natural das grandes manadas ancestrais e também o sistema adotado pelos antigos pastores, que conduziam metodicamente seus numerosos e densos rebanhos a pastos novos, no ponto correto de consumo, e que devido ao instinto natural de competição, eram pastejados de maneira voraz, deixando para trás um terreno “roçado”, e coberto de esterco e urina, proporcionando um ambiente perfeito para a multiplicação da vida no solo. Após sucessivas repetições desse “efeito manada”, toneladas de dejetos aumentam a matéria orgânica do solo, e desencadeiam processos como a trofobiose, o ciclo do etileno e transmutação dos elementos com baixa energia. Nessas condições, teremos pastagens exuberantes, baratas e duradouras, capazes de nutrir saudavelmente nossos rebanhos, sem alterações bruscas nos teores de fibra e digestibilidade, sem riscos de timpanismos, sem riscos de intoxicação por nitratos pelos desnecessários aportes de fertilizantes de alta solubilidade, com ciclos de vida dos parasitas quebrados pelo descanso variável dos piquetes conforme o crescimento dos pastos, pelo maior bem-estar expresso pela docilidade dos animais que veem o humano, não como uma ameaça, mas como o pastor que os conduzirá para um novo e apetitoso banquete em pastagens perenes polifíticas nutricionalmente equilibradas

 

Dentro da visão da agricultura convencional, os sistemas agrícolas e pecuários são subsidiados por energia fóssil, nutrientes de síntese industrial e agroquímicos, o que não implica em sua sustentabilidade ecológica e econômica (GLIESSMAN, 2000). Atualmente, a realidade dos pecuaristas é caracterizada pela tendência, nas últimas décadas, de aumento progressivo dos custos dos insumos e equipamentos, forçando os produtores que desejam continuar na atividade a aumentar sua escala de produção para diluir os custos crescentes de produção

 

Por outro lado, os aumentos de produtividade obtidos com os progressos tecnológicos não têm resultado em aumento de lucro para o produtor. Pelo contrário, têm justificado o estreitamento da margem de lucro por unidade produzida (CANAVER et al., 2011). A qualidade do ambiente, por sua vez, tem sido degradada como consequência dos sistemas agrícolas que fazem alto uso de insumos de síntese química (PINHEIRO MACHADO F° et al., 2001).

 

O pastoreio Voisin é a arte e a ciência de combinar os interesses do pasto e da vaca, através da divisão da pastagem e rotação do rebanho, de forma que o pasto seja colhido rapidamente e possa rebrotar a cada saída dos animais, crescendo até o seu próximo ponto ótimo de consumo. É dessa combinação ótima entre tempo de ocupação e período de repouso, que consiste no sucesso do sistema e a satisfação das necessidades do pasto e da vaca (SALES, 1999).

 

Observamos o elevado status de saúde de animais criados no sistema, problemas corriqueiros e de difícil controle no manejo convencional, como infestações descontroláveis de carrapatos cada vez mais resistentes, surtos de tristeza parasitária, elevado número de mamites, problemas reprodutivos e de cascos em vacas leiteiras, dificuldades em estabelecer um calendário eficiente de vermifugações em ovinos, são praticamente eliminados das criações que seguem o sistema e a rotina ancestral planificada por Voisin.

 

Utilizando corretamente essa ferramenta de transição agroecológica, a produção orgânica certificada, seja ela certificada ou não, deixará de ser uma utopia e se tornará facilmente alcançável e porque não dizer, inevitável. Ganhamos todos, produtores, consumidores, animais, meio ambiente, técnicos... Perdem os vendedores de insumos externos que deixam de visitar essas propriedades, mas o mundo não é dos mais fortes, é dos que melhores se adaptam e eles terão que se adaptar a um mundo mais verde e menos dependente.

*Por André Macke Franck, médico Veterinário (CRMV/RS 11.073), extensionista rural da EMATER-RS/ASCAR, integrante da Comissão de Pecuária Orgânica do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Rio Grande do Sul, integrante dos comitês de saúde & bem-estar e gestão e sistemas produtivos da FIL/IDF- Brasil (Fédération Internazionale du Lait-International Dairy Federation), homeopata- UFV-MG, especialista em Agroecologia e Produção Orgânica- UERGS-RS.





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